Quero ser um desenvolvedor fora do Brasil. E agora?

Desde que comecei a carreira de front-end developer, meu sonho sempre foi trabalhar fora do Brasil.

por Eduardo Shiota 10/01/2018 ~ 12 min. / 2445 palavras

Muitas pessoas me pediram dicas sobre como se preparar para um processo de seleção no exterior. Resolvi então escrever este ~textão~ com muito do que vi e aprendi até hoje sobre o assunto.

Desde que comecei a carreira de front-end developer, meu sonho sempre foi trabalhar fora do Brasil. Via em outros países uma oportunidade de crescer exponencialmente como profissional e como pessoa. Tive o privilégio de participar do An Event Apart em 2008 (Chicago) e 2010 (Minneapolis). Falar com as minhas maiores referências, ter contato com pessoas completamente diferentes e passar por experiências totalmente novas fizeram meu desejo crescer ainda mais.

Sempre procurei ter objetivos claramente definidos, traçando planos de como alcançá-los. E em 2010, resolvi colocar meu masterplan em prática, em 5 passos: (1) ter independência financeira; (2) conhecer as maiores referências de front-end no Brasil; (3) palestrar em eventos e crescer com a comunidade; (4) trabalhar com o melhor time possível no Brasil; (5) conseguir uma oportunidade fora do país. Passar por cada uma dessas etapas me fez conhecer pessoas incríveis e vivenciar momentos inesquecíveis.

Primeira palestra que dei em 2010, no Dev in Sampa

Em 2013, achei que era hora de colocar o passo 5 em prática. Conversei extensivamente com o Rafael Dohms—que se mudou para a Holanda em 2011—sobre o processo de mudar de país; e tive uma “longa” discussão com a Paula — minha esposa (até então, namorada) e companheira de aventuras:

— Então… topa mudar de país? Tipo Holanda ou Estados Unidos?

— Okay, mas… e os gatinhos? A gente vai mudar de país mesmo tendo 4 gatos? O que aconteceria com eles?

— … … … a gente leva os 4, no matter what.

A “longa” discussão demorou 30 segundos. E começamos a pesquisar sobre as leis de levar animais pra fora do Brasil. Estava decidido. Comecei a pesquisar vagas nos Estados Unidos, Europa, e o Dohms tentou ver se eu conseguia uma vaga na empresa dele.

Plus, ele me “convenceu” que ter uma vista assim todo dia seria legal.

Coincidentemente, uma semana depois recebi um email de um recrutador trabalhando para a Booking.com, e recebi uma resposta de duas empresas em São Francisco. Comecei o processo nas três, e descobri que todas as experiências que tive entrevistando ou sendo entrevistado no Brasil não me prepararam para uma seleção fora do país. Vou tentar relatar aqui tudo o que aprendi no meio do caminho, para possivelmente ajudar quem esteja pensando em passar pelo mesmo.

Aviso: o que vou descrever aqui é um relato meu, com opiniões e sugestões minhas, que não têm relação com a minha posição na Booking. São fatos e dicas genéricas, aplicáveis para qualquer empresa.

English, motherf*cker, do you speak it?

Antes de aprender JavaScript ou qualquer outra linguagem, você tem que aprender inglês.” — Chico Xav, digo, Daniel Filho

Sim, a língua portuguesa é linda (de verdade). Sim, a comunidade de desenvolvimento brasileira carece de bons materiais em português. Sim, o inglês não faz parte da grade do ensino público, e mal recebe atenção no ensino privado. Mas o fato é que um material escrito em português só será lido por pessoas no Brasil, Portugal, Moçambique, Angola, Guinea-Bissau, Guinea Equatorial, Timor Leste, Macau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. E se você não conseguir ler em inglês, ficará restrito ao material produzido em português.

Já imaginou se o Stoyan Stefanov publicasse seu “JavaScript Patterns” apenas em búlgaro? Se o Mathias Bynens desse suas palestras em alemão (ou francês, ou holandês — ele é belga :P)? Ou se a Sara Soueidan tivesse escrito o CSS Reference do Codrops apenas em árabe? No mundo da programação, inglês é a língua principal (e, segundo o Github, a segunda é JavaScript).

Para entrevistar fora do Brasil, salvo algumas exceções, seu CV deverá ser em inglês. Sua cover letter deverá ser em inglês. Os testes técnicos serão em inglês. As entrevistas serão em inglês. Grandes chances da comunicação no dia-a-dia da empresa ser em inglês.

Invista em um bom curso que dê fluência, ou ao menos facilidade com a língua. Treine com alguém que saiba inglês, respire fundo, e mantenha a calma. Você não precisa ser o próximo Tolkien: entender e se comunicar com facilidade é o suficiente. Ninguém vai te condenar por conjugar um verbo irregular errado, usar uma pronúncia estranha ou falar com sotaque. Se quiser inspiração, leia como o Igor Apa resolveu se aventurar aprendendo inglês nos EUA.

E na dúvida, lembre-se que a maioria dos americanos provavelmente sabe menos inglês que você. Se a insegurança bater, lembre-se dessa frase:

“Nunca tire sarro de alguém que fala um inglês quebrado. Isso significa que eles sabem outra língua.” —H. Jackson Brown, Jr. (tradução livre)

Você (provavelmente) não é especial. E é tão especial quanto todos.

Eu sempre achei que pra trabalhar fora do Brasil precisaria ter um currículo impecável, um Github repleto de quadradinhos verdes, um Twitter com 10k seguidores, ter palestrado em cada um dos continentes e eliminado o exército azul no War. Embora tudo isso ajude, não é bem assim.

Isso também não vai ajudar muito.

No Brasil (assim como em alguns outros países ou cidades), ter um nome conhecido te leva a muitos lugares. As ofertas são constantes, e na maioria das vezes as entrevistas se resumem a uma conversa de uma hora onde a empresa é quem tenta se vender ao candidato. Entrevistas técnicas são feitas apenas por empresas tradicionais, muito grandes, ou para vagas para pessoas iniciando na carreira. Isso faz com que desenvolvedores com mais experiência raramente passem por longos processos de recrutamento — e, inclusive, com que se sintam ofendidos caso a empresa exija que o candidato resolva um desafio técnico ou tenha que responder questões acadêmicas.

Quando uma empresa contrata pessoas do mundo todo, isso vai por água abaixo. Não há como comparar o melhor desenvolvedor do Brasil com o melhor desenvolvedor da Rússia, todos precisam passar pelos mesmos testes. Isso significa que, mesmo que você tenha um Github repleto de forks e projetos pessoais, mesmo que você contribua para projetos Open Source, mesmo que você tenha palestrado pelo país inteiro, você vai passar por todas as etapas. Isso significa fazer entrevistas com o RH. Ter que resolver desafios. Implementar um Fibonacci em JavaScript. Explicar a diferença entre position: absolute e position: relative. Falar sobre suas ambições. Explicar o que acontece quando você digita uma URL e aperta no browser. Saber estimar quantas fraldas são usadas na China anualmente.

Portanto, se você tem mexido apenas com IE10+, AngularJS e React, é bom relembrar os desafios de suportar o IE8, como fazer um simples event delegation, ou até mesmo como contar de 100 até 1 em um loop. É impressionante o número de desenvolvedores com currículos repletos de tecnologias JavaScript modernas, mas que não sabem o que é um module pattern, this, ou prototype.

Lembrem-se: ter um conhecimento sólido de como uma linguagem funciona lhe torna capaz de entender qualquer framework ou paradigma. Já o contrário pode não ser verdade.

Cada empresa é um novo processo…

Para muitos desenvolvedores, o conceito de “se preparar para uma entrevista” é desnecessário. Nos focamos apenas na parte técnica e nas tecnologias, e esquecemos nosso principal papel na maioria das empresas. E acredite, não é fazer um código excepcionalmente lindo, ou discutir por horas se devemos usar CommonJS ou AMD. Nosso papel é ajudar a empresa a fazer dinheiro, a lançar produtos, a atingir os usuários. A parte técnica não é o “o quê”, é apenas o “como”. E quando você compete com pessoas do mundo todo, saber ambos é uma grande vantagem.

Somos mais do que apertadores de teclas

Estude a empresa pra qual você está entrevistando: qual sua história, quem são seus clientes, como ela faz dinheiro, como é o mercado na qual ela atua. Procure saber quais são suas ideologias, seus valores, e seu dia-a-dia.

… e cada país é uma nova cultura…

A maioria dos brasileiros adora falar—pelo menos é o que eu ouvi de pessoas de outros países. Uma resposta que poderia ser dada em 10 segundos muitas vezes vira um discurso de meia hora, com menções ao governo, à corrupção, e à economia do país.

Mas em uma entrevista onde os processos são padronizados e o tempo é limitado, você não terá horas pra responder uma questão. Lembre-se que o seu uso do tempo disponível também pode ser avaliado. E o estilo de comunicação dos entrevistadores irá variar de país para país. Aqui na Holanda (e na maior parte do norte da Europa), as pessoas são direto ao ponto, sem sugar coating, e “encher linguiça” pode ser até um sinal de que o candidato está tentando passar a perna.

Procure saber como é o mercado de trabalho e o estilo de comunicação do país para o qual você vai.

… e no fim, todos querem saber a mesma coisa.

Você se comunica bem? Você é tecnicamente bom? Você vai ser capaz de lidar com o dia-a-dia? Você vai se adaptar à cultura? No fim, o processo de recrutamento da maioria dos lugares não é um pop quiz de quantas perguntas sobre a API do Node.js você é capaz de responder. Como eu disse, as empresas procuram profissionais que sejam aptos a resolver problemas e ajudar o negócio a evoluir. Logo, algumas dicas devem servir para a maioria das entrevistas, independente de quem ou onde:

  • Se tiver que fazer um teste de código em casa, faça com carinho e da melhor forma possível. Estes testes são o equivalente a você falar “é assim que eu escrevo, e este é o meu melhor”. E se o seu melhor for um código difícil de ler, com variáveis crípticas e tabs misturados com espaços, provavelmente não irão te escolher.
  • Pode parecer óbvio, mas seja educado, agradável e pontual. Revise seu currículo e corrija erros gramaticais. Basicamente, quem está te entrevistando está escolhendo se quer você como um colega de trabalho.
  • Treine. Se tiver um amigo que fala inglês, treine uma entrevista com ele. Bonus points se ele for técnico.
  • Faça a entrevista em um ambiente calmo, sem barulhos, e com uma conexão boa e um sinal decente.
  • Mantenha a calma. Se você não souber uma resposta, não entre em pânico. Respire, pense um pouco, e comece a descrever sua linha de raciocínio. O mais importante para quem entrevista é o caminho para chegar na solução.
  • Se você souber a resposta, responda primeiro, e entre em detalhes depois. Fale pausadamente: às vezes o entrevistador não precisa de cada pequeno detalhe, e é bom que ele tenha uma chance de te interromper para prosseguir com outra pergunta.
  • Seja objetivo, não desvie da pergunta. Uma vez, perguntei qual era a motivação do candidato para se mudar de cidade e trabalhar na empresa X. Ele me perguntou se eu conhecia empresa Y. Disse que não, e ele passou os próximos 10 minutos falando como empresa Y tinha sede na mesma cidade que X, e como ela era legal e inovadora. No fim, ele simplesmente respondeu que queria mudar de cidade. Foi a última vez que o vimos.
  • Como eu disse lá em cima, esteja preparado para as perguntas técnicas. No caso de uma vaga de front-end, estude as coisas básicas da linguagem, que acabamos não tocando no dia-a-dia. O que é um DOCTYPE? O que acontece em um bloco que contêm elementos com float: left ou right? Como funciona o hoisting do JavaScript? Qual a diferença entre display: inline, block e inline-block? Qual a diferença entre Foo() e new Foo()?
  • Esteja preparado para escrever código. Pode ser que peçam para você codificar em editores colaborativos. Se a entrevista for ao vivo, pode ser que você faça o mesmo em um computador, em papel-e-caneta, ou em uma lousa. Mantenha a calma, e deixe seu raciocínio bem explícito. Descreva o que você está escrevendo. Se tiver alguma dúvida ou ficar preso em alguma parte, fale para o entrevistador. Provavelmente ele vai te fazer perguntas para te ajudar a sair do buraco por conta própria.
  • Se quiser dar um passo a mais, estude problemas básicos de computação, e procure por desafios acadêmicos pra resolver. Vai variar de processo para processo, mas muitas das empresas grandes e startups do Vale do Silício incluem uma ou mais dessas no meio das entrevistas.
  • Pesquise sobre a história do lugar, sobre seu modelo de negócio, últimas conquistas: eles querem alguém que ajude a empresa e o time a irem pra frente.
  • Saiba o que acontece de ponta a ponta: desde o usuário digitar a URL no navegador, até o site aparecer na tela. Tenha uma visão geral de como a web funciona, e se aprofunde nas partes que importa (no caso de front-end: DNS lookup, requisições HTTP, parsing do HTML e CSS em DOM e CSSOM, JS parsing, event loop, paints e reflows).
  • De novo: o processo seletivo serve para os entrevistadores decidirem se teriam você como um colega de trabalho. Eu, por exemplo, dificilmente gostaria de trabalhar com alguém que se julgue como “o melhor front-end developer do país”, ou “o melhor desenvolvedor que eu já conheci”.

Don’t panic.

Não se desespere ao fazer as entrevistas. Como diria a sabedoria popular, “o não você já tem”. Tudo bem não passar de primeira: eu fiz vários processos, e o aprendizado que tive neles me levou a ser aprovado na Booking. Cada etapa que você faz, é uma skill a mais para o seu repertório de conhecimento.

E não fique com a ideia de que, caso não seja aprovado, você potencialmente “desperdiçará sua chance” com empresa X. A maioria aceita que você tente novamente em um período de 6 meses a um ano. Nesse tempo, dá pra estudar e aprender ainda mais. Tenha em mente: nem toda empresa foi feita pra você. Ser reprovado em um processo não quer dizer que você será reprovado em todos. Cada empresa procura um perfil diferente e, mesmo que você não seja o melhor candidato para uma, poderá ser o profissional perfeito para outra. Continue procurando novas oportunidades!

Por último, seja confiante e acredite em você mesmo: você não tem nada a perder. Se estiver com receio do seu inglês, faça como o Leo Balter fez e arrisque. Se não for aprovado, peça um feedback do porquê, e trabalhe em cima disso.

Se esse gráfico corporativo ágil 2.0 não lhe motivar, eu não sei mais o que lhe motivaria.

No fim, lembrar de tudo o que aconteceu desde 2010, das coisas que aprendi, das pessoas incríveis que conheci e das experiências maravilhosas que pude ter, me faz ter plena certeza de que todo o esforço valeu a pena.

O Jamie, a Lexie, a Arya e o Thorin também têm plena certeza. ❤